sexta-feira, 11 de julho de 2014

Guardião de histórias

Talvez, ao longo da sua vida, você acumule mais histórias do que julgaria necessário. Será? É verdade, eu sei, quantas vezes nos arrependemos ou quantos passos damos em vão. Mas qual o limite de uma lembrança? E o que somos nós se não grandes amontoados de memórias em mosaico? Tudo feito. Passado. A pedra lançada. A oportunidade perdida. A palavra dita. Sem volta... Só lembranças.

Aquele dia ensolarado, lembra? Que você sorria enquanto eu tocava aquela velha canção. Aquela, sabe? Os sons do refrão mais puro se confundiam com as gargalhadas tolas e insanas, que, rodeada dos amigos, entrelaçavam nosso sonhos e planos futuros.

O limite entre o que vai e o que fica é tão tênue, tão invisível e, não, não é nem um pouco palpável.


E quando acreditamos estar no controle da situação, aparece o tão temido aviso da mente: deseja deletar essa lembrança? Coração dispara. Você realmente quer esquecer? Então você, tentado, pensa loucamente em clicar "sim", enquanto sem ao menos perceber já selecionou a opção "mover para a caixa de memórias".


Não esquecemos. Tudo que levou um pedaço da gente marca, deixa cicatrizes, histórias, memórias, fotos... Nunca se vai. Fica.

O que muda é que desligamos os holofotes do palco da vida, vão-se os atores e as cenas. A antiga peça sai de cartaz. Limpa-se o cenário. Perfuma. E deixa nascer um novo ato, seja um monólogo ou um complexo diálogo, pronto para uma nova estreia, tão marcante e memorável como sempre fora.


quinta-feira, 8 de maio de 2014

Pra não voltar

- Oi
- Que foi?
- Nossa, nada.
- Ótimo.
- Devo ir?
- Você quem sabe.
- Você quer que eu fique?
- Você quem escolhe.
- Eu quero ouvir da sua boca.
- Eu já disse o que penso.
- Não, você disse pra eu escolher... Eu escolhi ficar e ouvir o que você tem pra dizer.
- Vai embora.
- Ótimo, agora posso ir sabendo que não fui eu a pessoa a dar a última palavra. Adeus.

- Espera.

- Que foi?
- Nada.
- Me deixa ir.
- É... Sei lá... Eu... Nada.
- Fala.
- Melhor não.
- Tá certo... Até um dia.

- Hey, gente se vê?
- No final, a gente sempre se vê.

Título e texto inspirados na música "Canção pra não voltar", A Banda Mais Bonita da Cidade


segunda-feira, 28 de abril de 2014

Isso não é seu

Encaro o teto branco do quarto, um quarto que não é meu, apenas estou nele. Na parede uma foto, também não é minha, mas olha eu ali de novo. Na mesa, uma pasta carrega meu nome, tão menos minha quanto os outros dois.

Não é meu.

Maldito pronome possessivo que nos faz acreditar que possuímos algo que não nos pertence. Não é meu quarto, não é meu carro, muito menos meu... amor. Por isso, passa, vende, troca ou muda. Acaba.

Nada é seu.

O que lhe pertence é intocável, invisível. Cada pessoa que passa por você, cada sorriso, cada sentimento, cada lágrima derramada, cada momento é mais seu que o último celular que você comprou. O que é seu beira a loucura ao possuir algo inexistente e viver a plenitude do nada, jogado num mar de memória.

O que temos é nosso.

Afinal, tempo se encarrega de levar as pessoas e cada uma delas se encarrega de levar uma parte de você. E deixar uma parte delas em você. Um mosaico de "eus". A composição de uma história de infinitos autores em uma única capa. 

O eterno são lembranças. Construídas por muitos... Exclusivamente seu.

sexta-feira, 7 de março de 2014

Sobre amores invisíveis

Aconselho que o texto seja lido com a trilha do filme 'Her', no qual foi inspirado.


A chuva caía do lado de fora e, aos poucos, o som das gotas de água povoavam a mente como música. Sentia o cheiro da chuva e ela lavava os pensamentos, um a um. Sem me tocar, ela estava comigo. Eu amava dias chuvosos.

Sentir... Enxergar além dos olhos, ver com a alma. O pulsar do coração na garganta. O dizer sem palavras para exprimir. Ser. Existir... Sentir.

No mundo material de hoje, ama-se o palpável, ama-se o visível, ama-se o confortável. E não se sente.
Sensibilidade. A habilidade de sentir. Tocar com a mente. Conectar-se com o nada. Amar uma voz, uma lembrança, um sonho. Amar a essência.

Solidão. O vazio de ver rostos e nunca encontrar o seu. A composição do nada a partir do misto de sensações repletas de imagens intocáveis. Todo ser humano é solitário. E deve ser. Reconhecer no silêncio o grito do seu eu. Amar além daquilo que você vê no espelho.

E sua felicidade: é de pronta-entrega ou é você quem constrói? Encher-se do invisível e ter coragem para encarar a felicidade. Coragem. Superar o medo do novo. Não estar feliz, SER feliz.

Finalmente, o amor... O que é amor? No filme, a definição que mais me tocou, até hoje: amor é única forma socialmente aceitável de insanidade. O intangível. O invisível. O indissociável. O tremer de dor. O gargalhar de alegria. O lacrimejar de saudade. O ser louco para ir além do que se espera do mundo, do que se espera de você.

A insanidade de sentir o que ninguém mais pode ver.

sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Claustrofobia

(14h00)
- Por aqui, senhora.

Sério moça? Senhora? Eu devo ter uns bons anos a menos que você... Bom, não tenho rugas como as suas, pelo menos. Senhorita seria mais aceitável, no mínimo.

- Boa tarde. - diz o médico, exibindo um sorriso.
Boa tarde para quem mesmo? - Boa tarde.
- Sou eu quem vou realizar seu exame, pode me seguir.
Tá, ok, é você quem vai apertar o botão e iniciar a tortura... Entendo. - Ah sim, claro.

- Você pode se deitar aqui, por favor? - a assistente.
- Sim.
- Encaixe seu corpo nesse suporte e tente não se mexer por favor.
- Hmm... Ok.
- Se você se mexer, teremos que realizar outro exame.
Táááááá, entendi moça, entendi, entendi... Muda, estática, P A R A D A! - Ok.
- Nós vamos colocar um pesinho para você lembrar que não pode mexer o braço, ok? - com um risinho (que era pra ser) engraçado, colocando o peso em questão.
Puta que pariu! Pesinho? Você tem coragem de chamar isso de PESINHO? Isso tem o que? Uns 8kg? - Rs, ok.
- Na outra mão vou colocar a campainha, aperte se precisar de algo.
- Com certeza precisarei.
- O exame é rapidinho, deve durar de 15 a 20 minutos.
Rapidinho? Vamos rever o conceito de rápido: o que é rápido acontece em, no máximo, 5 minutos, para alguns em 10 (o que eu já acho um absurdo). Rapidinho deveria ser, no máááximo, 2 e olhe lá. Em 20 minutos, rumos de uma nação podem mudar, uma pessoa pode morrer esgotada, uma bactéria pode se proliferar infinitamente... Então, não é "rapidinho".

Ouço o som da prancha deslizando para dentro do tubo. Que inicie a tortura, só faltam anunciar. Branco. Gelo. Estimo que tenha um metro de diâmetro, que parece meio centímetro. Ainda existe ar... Ainda. Primeira respiração. Adeus oxigênio. Primeiro disparo de coração. Mantenha a calma, repreendo. O som ensurdecedor. Fecho os olhos... Respiração, ok. Coração, ok. Lá vamos nós.

Abro os olhos. Branco. Gelo. Meio centímetro de diâmetro. Cadêoar? Cadêomalditoar? Não, coração, você não. Campainha. Não, não posso apertar. Peso. Não, não posso mexer. Fecha os olhos... Fecha os olhos, AGORA! Respiração, ok. Coração, ok.

Alguém abre a porta. Silêncio. Enfim, acabou. Barulho. Ah, não, que que eu fiz de errado? Eu não me mexi, juro. 

Saem da sala.

Calma, enfim calma. Como eu sairia daqui? Simples, era só... Mas... Mas... E se eu tivesse um ataque de pânico? Eu sou muito grande, não dá pra sair, não dá, não dá, NÃO DÁ! Falta ar. Falta muito ar. O médico disse pra não respirar forte, pode atrapalhar o exame. CADÊOMALDITOAR???

Abrem a porta, parte 2. Mãe, já chegou? B A R U L H O. Ah, não, não... Concentra. Respiração, ok. Coração, ok. Conversas na sala. É piada isso né? Vocês não estão conversando aqui e tirando a única concentração que eu preciso para respir... Não, coração, você também não. Saiam, saiam da sala malditos, SUMAM! 

Fecha a porta.

Como eu sairia daqui? ATAQUE DE PÂNICO! Esquece, eu nunca sairia. Por que eu entrei mesmo? Inspira, Expira... 

Barulho: ensurdecedor. Peso: cara, que dor no braço. Campainha: não sinto minha mão de tão forte que eu seguro. Não se mexa.

Porta. Merda, o que vocês querem agora? Silêncio. 

Si-lên-cio.

- Prontinho.
Prontinho? Qual o problema de vocês com essa porra de diminutivo? Aleluia, eu diria. ALELUIA! Eu sobrevivi, vamos fazer uma festa! Prontinho? Tá de sacanagem. Passei 2 horas sem respirar, porque vocês mentiram que era 20 minutos. MENTIRAM. Sai, não encosta, não rela, nunca mais quero te ver... - Obrigada, o exame fica pronto quando mesmo?
- Semana que vem.

(14h20)
- Ufa, acabou, vamos embora?