quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Entre despedaços e desperdícios


E se despediram. Repartidos e remontados. Um com metade do outro. Uma parte que vai e outra que fica. Separados, mas eternamente juntos.

A história deles começava pelo fim. Talvez porque, no fundo, nunca tivesse havido um começo.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

O reflexo do invisível


Posso ser tudo,
Posso ser nada,
Posso não ser.

Pois se reflito como o breu
E absorvo a luz como um espelho
Sou um paradoxo simples,
Com a complexidade de uma ordem direta.

E, quando penso em tudo que sei,
Percebo que não sei
Nem ao certo quem eu sou.

Afinal...

Posso ser tudo,
Posso ser nada,
Mas escolhi não ser.


quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Enclausurado


Eu procurava algo para dizer, mas já não havia mais nada a ser dito. Encarei o papel. Ele tinha mais a dizer do que eu. Ele branco, eu pálida. Gélida. Muda. Calada pelas palavras que eu não disse. Cega pelo olhares que evitei. Surda pela voz que eu não quis ouvir.

Uma dose de whisky. Lavava a alma por dentro e emudecia ainda mais. A caneta... Não, ela também não tinha nada surpreendente a dizer. Talvez uma música ajudasse... Nada. O pensamento gritava em meio ao silêncio das palavras.

A solidão, antes inspiradora, agora era traiçoeira. Apunhalava a mente, como a caneta impaciente apunhalava o papel inocente. Um escritor impune. Preso no casulo de suas próprias ideias. Acorrentado pelos próprios pontos finais da sua vida - mais reticentes que nunca.

Outra dose de whisky. Esquentava o peito. Trazia lembranças. Agitava a mente. M-E-N-T-E. É, a mente... Mente. Até mesmo quando não quer mentir. Sabia que não escrever não significava não sentir, mas não me sentia digna de sentir algo quando não escrevia. Procurava palavras na tristeza ou na felicidade, mesmo quando inexistentes. Afinal, um escritor apático não produz.

Eu podia estar triste, mas não tinha motivos. Eu podia ser - por muitos motivos - feliz, mas não queria. No fundo, eu só queria escrever... Mas não conseguia.

O papel e eu. Brancos. Brandos. Vazios.

domingo, 17 de fevereiro de 2013

Procura-se um cardiologista


   “Cardiologia: Especialidade médica que se ocupa do diagnóstico e tratamento das doenças relacionadas ao coração.”    Foi assim que Laura encontrou a definição de cardiologia para seu trabalho escolar, onde deveriam pesquisar sobre uma área da medicina sorteada para eles. 
   Laura era uma menina de apenas 11 anos e estava na 4ª série. Pouco conhecia sobre o mundo, vivera sempre na cidade pequena, brincando, sorrindo como qualquer criança dessa idade. Na escola sempre fora exemplar. Em casa também. Era a filha que todo pai adoraria ter. 
   Após a pesquisa do trabalho e a discussão em sala de aula sobre ele, voltou para casa pensativa, matutando a ideia do que era a cardiologia. Teria ela entendido o significado correto para a função do cardiologista? 
   Chegou em casa e foi direto até a mãe, toda acanhada, perguntando: 
   - Mãe, você me leva nem cardiologista? 
   A mãe desesperou-se: como assim sua filha de 11 anos querendo ir no cardiologista? Do nada? 
   - Por que filha? Tá sentindo dor em algum lugar?
   - Sim mãe, no coração. Além disso, ele ainda dispara de vez em quando.
    
   Com todo esse susto, a mãe marcou um cardiologista no dia seguinte para sua filha, mas ele alegou que nada havia de errado, que deveria ser algum susto ou pancada, mas nada de mais. A mãe acalmou-se, mas Laura não. Insistia querer um cardiologista, porém não era bem aquele que poderia fazer algo para ela. 
    Passada uma semana, estava ela no recreio sentada, sozinha, quando entendeu do que precisava, olhou para Vitor, o menino baixinho e fofinho de sua classe, e entendeu tudo aquilo, toda a dor, todos os disparos quando estava com ele: apaixonara-se pela primeira vez. 
   Levantou. Escreveu um bilhete. Saiu correndo em sua direção. Beijou-o no rosto. Foi o beijo mais lindo e mais puro já visto. Mais romântico que os de filme, mais apaixonado que os de amantes eternos. Foi puro e sincero. Beijou-o e saiu correndo, a vergonha era maior que ela. 
   Vitor, sem entender nada, virou-se e viu Laura bem longe. Ao seu lado um bilhete dizia: “Você é o melhor cardiologista do MUNDO! ♥”


sábado, 9 de fevereiro de 2013

Mas chegou o carnaval...

- ... oi?
- Ah, pensei que não viesse.
- É, mas vim.
- Acabou aquele ódio do carnaval?
- Nunca foi ódio, só vejo de uma maneira diferente...
- Ah sim, você e suas concepções e teorias furadas.
- Mas vim, não vim?
- É, você tá aqui. E agora?
- Agora você vem aqui, a gente fica junto e você vai embora.
- Para de me tratar assim.
- É assim que as pessoas se tratam no carnaval...
- Nós não somos um amor de carnaval.
- Ah, não? Bom saber...
- Para, por favor!
- Você me chamou, eu vim só pra ficar com você, mas você sabe que isso não é mais possível, que não passa dessa noite.
- É, eu sei...
- Então para com o drama.
- Não é drama, é saudade.
- Saudade? Sei... 
- É sério.
- De quem eu era ou de quem eu sou agora?
- De quem você SEMPRE será.
- Eu queria acreditar... Mas... Desculpa.
- Se você duvida tanto, por que você veio?
- Só pra ver seu sorriso uma última vez...
- Vem cá.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

A moça da varanda


          Um dia me disseram que há três coisas que não voltam atrás: a flecha lançada, a palavra dita e a oportunidade perdida. Quando ouvi isso, imediatamente me lembrei daquele casal e me lembrei de que era tarde demais para essa frase ser dita, pois ela já havia dito palavras que mudariam aquele romance e que nunca mais voltariam atrás.
          ‘Não sabia que ele vinha à festa, acabamos nos encontramos e, como sempre, rimos, papeamos, jogamos conversa fora e ele, mesmo acompanhado, não saiu do meu lado. Viemos até a varanda para conversar. A acompanhante não gostava nada daquilo. Nem eu. Eu me sentia mal com a situação, mas parecia que ele nem ligava e hoje parecia que eu também não, precisava por um ponto final na nossa história. Palavras saíram sem pensar da minha boca, frases que nunca imaginei dizer, eu disse naquele momento. Também não consegui parar de falar, para mim parecia certo, mas eu não sei. ’. Ela me disse.
          Eu nunca a havia visto, porém aquela cena na varanda me fez sentir tão próxima dela, precisava acolhê-la e, assim que ele saiu, fui lhe falar, disse que havia visto os dois conversando e perguntei se ela precisava de algo.
          - Eu estou aqui e, apesar de não me conhecer, posso lhe servir para algo. - disse-lhe com toda a calma do mundo.
          - Obrigada, mas não acho que seria conveniente falar da minha vida com estranhos.
          Pensei que ela realmente pudesse estar certa, então resolvi voltar, porém quando estava na porta, quase chegando ao salão de festas, ouvi:
          - Por favor, fique! – reparei que seus olhos estavam cheios de água.
          - Tudo bem eu fico. Se você quiser falar, fale. Se não quiser, faço de conta que nada aconteceu, que acabamos de nos conhecer. A propósito, prazer, Luísa!
          - Prazer! Se eu preciso conversar com alguém, que seja com você então, que pelo menos sabe do que se trata. E, se não se importa, não gostaria de dizer o meu nome, só gostaria que você guardasse em sua memória que uma mulher lhe disse que uma simples mudança em uma pequena palavra pode mudar uma grande história.
          Quando já éramos ‘amigas’, ela me contou tudo: que o havia conhecido de uma forma inusitada, na qual ele se tornou amigo dela para poder sair com sua melhor amiga, mas que, no fim, essa amizade se tornou um romance ‘sem pé, nem cabeça’ – de acordo com ela – entre eles.
          Ela me disse que eles ficaram por um tempo juntos, e que mesmo depois de terminado o romance se tornaram grandes amigos. Claro que, às vezes, acabavam não resistindo quando ficavam sozinhos.
          Era assim: conversavam quando se viam em alguma festa ou quando trombavam na rua, ficavam algum tempo sem se falar, então se ele se aproximava ela se afastava, se ela se aproximava ele se afastava. Tinham seus amigos em comum que ainda apoiavam o romance, mas ambos não queriam mais nada, ou talvez quisessem, já que quando estavam juntos era diferente – e ambos percebiam o quão diferente era.
          Enfim, ficamos muitas horas conversando, rimos, contamos nossas vidas e refletimos sobre aquele momento, quando duas pessoas, que nem se conheciam, trocaram palavras tão valiosas para a vida delas, e, principalmente, vimos como palavras podem aproximar ou afastar pessoas. Pensamos em nossos pais, nas palavras que lhes dissemos, se um ‘eu te amo’ no dia de Natal ou Ano Novo basta, ou se deveríamos abraçá-los e lhes dizer todos os dias que os amamos e que sentimos sua falta. Lembramos quantos amigos deixamos ir sem nem lhes dizer que eles significavam muito para a gente e que precisávamos deles. E claro, lembramos quantos amores deixamos passar por bobeira, por um ato ou palavra desnecessário.
          Quando pensávamos nos amores, ela começou a chorar e me disse que ele havia significado muito para ela, que ela não acreditava nas palavras que havia dito, mas já tinha passado, não tinha mais volta.
          Eu não sabia como confortá-la, não surgiam palavras em minha memória suficientes para amparar uma desilusão amorosa, procurava-as, pensava em frases feitas que fosse, mas nada, nada que vinha à minha cabeça era o certo para se dizer naquela hora. Pensei em dizer para não chorar, porém seria em vão. Pensei em fugir, correr e abandoná-la ali, sentada, sem resposta, sem ter com quem conversar, faltava coragem. Pensei que simplesmente não havia no que pensar, era só ouvir aquelas palavras certas de uma incerteza tão grande da vida daquela, que agora, se sentia uma pequena mulher.
          Passado um tempo, ela pediu para que eu fosse buscar-lhe água e, quando voltei, não estava mais lá, só havia um bilhete que dizia:
          ‘Obrigada por tudo, por ouvir, por sentir comigo um pouco do que eu sentia naquele momento, onde palavras mudaram minha história, fazendo-me perder um grande amor, mas também fazendo com que eu encontrasse, no silêncio de alguém que ouvia tristes palavras, uma grande e inesquecível amiga. Prefiro que você ainda não saiba o meu nome, para que um dia eu possa me encontrar com você em uma outra situação e possamos nos tornar grandes amigas “de verdade”, amigas com palavras boas para se dizer. Com amor, a moça da varanda. ’
          Faz dez anos que essa história aconteceu, não sei se a reencontrei ou não e sei que ela nunca me diria se isso tivesse acontecido. Hoje me vejo diante de um quadro com duas pessoas na varanda, conversando. Um quadro que eu comprei semanas depois do que havia se passado e que me lembra aquela mulher, que falava sobre as palavras, que falava sobre amizade e que foi, ainda que por uma noite, minha melhor amiga.
          Palavras… Nada mais que palavras… Muito mais que palavras… Eu lembro de tudo o que ela disse sobre as palavras. Palavras boas, palavras ruins, de amor, de amizade… Mas e aquelas palavras? O que eu diria sobre as palavras daquela mulher? Foram certas? Erradas? Talvez sejam certas porque elas desfizeram o que seria errado, pois talvez fosse errado eles ficarem juntos.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013